Ao mesmo tempo em que as indústrias tomaram medidas para reduzir a exposição dos trabalhadores aos efeitos danosos do benzeno à saúde, pouco foi feito quanto à contaminação em outras áreas fortemente relacionadas à intoxicação pelo solvente, como postos de gasolina que comercializam combustível adulterado. Esta é a conclusão de uma tese de doutorado defendida recentemente pelo médico Danilo Fernandes Costa na Faculdade de Medicina da USP.
Ao longo de quatro anos, ele investigou as estratégias de redução da exposição à substância adotadas no Brasil, avaliou as legislações restritivas e a eficácia dessas ações. A substância derivada do petróleo é tóxica, altamente cancerígena e está diretamente associada a doenças como aplasia de medula e leucemias. O autor do estudo é auditor fiscal do Ministério do Trabalho em São Paulo, onde é responsável pelo Programa Estadual do Benzeno.
Em outros países, os riscos de contaminação já eram conhecidos desde 1900. Porém, no Brasil, só em 1932 foi criada uma lei que proibia a exposição das mulheres. Já os trabalhadores menores de idade só tiveram proteção legal em 1943. “Devido ao crescimento acelerado da atividade industrial no século XX, típico de países com capitalismo tardio, o Brasil demorou a implantar mecanismos de prevenção”, aponta o pesquisador. “Além do mais, essas leis só existiam no papel, já que não havia a ideia do tamanho da exposição ao benzeno no setor industrial.”
Segundo ele, os primeiros dados sobre produção do insumo apareceram em 1960, indicando 5 mil toneladas anuais, número que passou para 100 mil toneladas dez anos depois. Em 1966 surgiram registros de doenças causadas pela exposição ao produto no ambiente de trabalho. Dados mais consistentes de contaminação só foram disponibilizados na década de 1970. A aposentadoria especial para expostos foi criada apenas em 1972.
“Constatou-se grande exposição entre mulheres que trabalhavam na indústria de calçados, na qual era feito uso de solventes”, conta o médico. Como havia muita produção caseira de sapatos, a intoxicação também atingia crianças e adolescentes.
A partir de 1972 houve notificação de mortes por intoxicação, devido à aplasia de medula. Os números obedeciam a padrões e proporções semelhantes aos registrados nos Estados Unidos e na Europa no início do século XX. Em 1980, quando a produção do Brasil chegou a 300 mil toneladas, foram identificados inúmeros casos de intoxicação pela substância e os primeiros casos de câncer.
“A legislação da época estava distanciada da dinâmica social e por isso não era aplicada”, destaca Fernandes Costa. A participação da sociedade foi determinante para mudá-la. Em 1982, o uso do benzeno foi proibido em solventes, o que alterou o perfil da exposição.
Em 1994, a substância foi reconhecida como cancerígena e, no ano seguinte, chegou-se a um consenso que resultou em acordo e legislação sobre a prevenção da exposição ao benzeno. O acordo prevê restrições à utilização, como a proibição na maior parte das atividades, exceto atividades industriais e nas logísticas que a complementam. “Não há perspectiva de retirada do benzeno nestes processos, pelo menos a curto e médio prazo. Não há, aliás, experiência deste tipo em nenhum lugar do mundo, pelo menos que eu conheça”, revela.
Além de restringirem o uso do produto, a assinatura do chamado Acordo do Benzeno e a legislação impuseram regras às empresas que o utilizam entre suas matérias-primas, como o pedido de permissão específica e o cadastramento em órgãos do governo. “Como a ideia de que havia um nível tolerável de exposição foi superada, as indústrias tiveram também que adotar um programa rigoroso de proteção”, conta o médico. “A lei tornou-se mais participativa, com a existência de uma comissão nacional e comissões regionais formadas por empresas, sindicatos e órgãos governamentais, além de comissões de trabalhadores que fiscalizam os acordos nas empresas”.
Ainda assim, os acordos foram cumpridos de forma desigual. Há setores com avanços bem mais consolidados do que outros, como químicos e petroquímicos quando comparados com a indústria siderúrgica. Conforme o pesquisador, a contaminação ocorre de formas diferentes em pequenas e grandes empresas. As grandes podem operar com irregularidades como exposições múltiplas e complexas, grande quantidade de produtos, gestão artificial e ineficiente de riscos e ocultamento de alterações de exames, entre outros. “Não é porque é grande que não oferece riscos”, diz.
A tecnologia, segundo ele, é um aspecto bastante importante na prevenção de riscos, mas não o único. “Valorizo muito a participação dos trabalhadores, a informação sobre os riscos e instruções prévias para que o próprio trabalhador possa interpretar o resultado dos exames, entre outras medidas que ajudam a prevenir danos à saúde”, opina.
Outra questão abordada na pesquisa são as barreiras para o real dimensionamento do número de casos de doenças relacionadas a estas exposições. Entre elas está o contato do trabalhador com múltiplos solventes orgânicos, possivelmente com presença de benzeno.
Aliás, segundo ele, de 1983 a 1993, foi feito um grande esforço para diagnosticar o benzenismo no Brasil. “Após este período, instalou-se um lúgubre silêncio epidemiológico resultante deste gerenciamento artificial e perverso de riscos e do controle médico e de saúde ocupacional nas fábricas, combinado com o desmonte dos serviços públicos e sindicais que prevalece até hoje”, aponta o médico.
Ele ressalta ainda que ainda não há um dimensionamento claro da exposição ao benzeno fora das empresas do setor químico, petroquímico e de petróleo. “Dados da Previdência Social revelam ocorrência importante de casos de aplasia de medula, leucemia e linfoma entre frentistas de postos de gasolina, que podem estar em contato com benzeno presente em combustível adulterado”, alerta. Segundo o pesquisador, não há estudos toxicológicos aprofundados e falta um trabalho adequado para prevenir a exposição aos solventes nessa atividade.
O problema, segundo ele, ganha maiores dimensões porque é cada vez maior e o número de trabalhadores nas áreas de abastecimento de combustível, como em hipermercados. E também porque, fora das fábricas, a gasolina é o único produto que pode conter benzeno em quantidades maiores. Por lei, todos os outros solventes podem ter no máximo 0,1% de benzeno.
A gasolina comum pode ter 1% e a especial 1,5% a especial. Dados da Previdência Social mostram que entre de 2004 a 2006 ocorreram 66 casos de doenças malignas, como leucemias, linfomas e aplasia de medula em trabalhadores de postos de gasolina. São dados que chamam a atenção e podem indicar situação grave.